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electric dreams
curadoria raphael fonseca
may 29 de maio – 14 de agosto, 2021
nara roesler rio de janeiro
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Nara Roesler Rio de Janeiro orgulha-se em anunciar a exposição coletiva Electric Dreams, com curadoria de Raphael Fonseca. A mostra apresenta um grupo de dez artistas de diferentes gerações e regiões do país, cujos trabalhos trazem em seu cerne a dimensão do estímulo sensorial, remetendo-nos à fisicalidade e ao corpo humano, ao mesmo tempo em que evocam a atmosfera onírica do sonho.
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Electric Dreams
Raphael FonsecaNos últimos meses, muitas pessoas próximas me relataram que, durante o sono, têm sonhado constantemente – viagens, imagens e falas de pessoas que já faleceram, ciência, vacinas e situações surrealistas foram alguns dos elementos que me foram descritos. Vivendo durante uma pandemia que se perpetua com diferentes ondas no Brasil e assolados por um governo extremamente irresponsável quanto ao cuidar da população, as tragédias se perpetuam e parecemos viver um pesadelo diário.
Poderia esse excesso de sonhos, portanto, ser interpretado como uma válvula de escape perante quinze meses de um redemoinho de sensações nunca sentidas pela grande maioria da população não apenas brasileira, mas mundial? Sonhar poderia ser enxergado como uma forma de tentarmos fazer alguma manutenção de nossa saúde mental? Os artistas aqui reunidos parecem responder afirmativamente a essa questão.As palavras “Electric dreams” (“Sonhos elétricos”, em português) vêm de duas fontes diretamente relacionadas: o filme de mesmo título, dirigido por Steve Barron e lançado em 1984, e a música Together in electric dreams, parte de sua trilha sonora, composta e performada por Philip Oakey (vocalista do The Human League) e Giorgio Moroder. A narrativa cinematográfica gira em torno de um computador que, estimulado pela sua capacidade de gravar áudio e controlar todos os aparelhos da casa de seu proprietário, experimenta o amor quando começa a escutar sua vizinha praticar música. Da escuta e das tentativas de se comunicar com ela, surge um dilema: como uma máquina poderia experimentar o amor, o prazer e o sexo se ela não possui um corpo humano?
Na impossibilidade de concretizar esse encontro de fluidos, o computador entende que, assim como cantado na música, “nós sempre estaremos juntos / por mais distante que pareça / nós sempre estaremos juntos / juntos em sonhos elétricos”. A canção, embalada pela experimentação com a música eletrônica de Moroder, nos convida a dançar e lembrar das dádivas que são a vida e a capacidade de sonharmos.
Electric dreams é uma exposição que, assim como o filme e a música datados do auge da cultura pop dos anos 1980, reúne artistas que se detém sobre a sensorialidade, a sensualidade e a capacidade de sonharmos por meio de obras que remetem ao corpo humano. Esta fisicalidade aparece não apenas como representação em algumas das imagens mostradas, mas também na forma como os próprios trabalhos foram feitos artesanalmente por meio do desenho, da pintura e da colagem de objetos. Os trabalhos aqui reunidos nos trazem texturas e detalhes que nos fazem sentir a importância do tempo para a prática dessas/desses artistas; em um momento em que o isolamento social é recomendado e, assim como no filme citado, nossa sociabilidade muitas vezes é mediada pelos computadores, é feito um convite para observarmos as minúcias da materialidade dessas pesquisas.
Essa pequena reunião de trabalhos propõe também uma conversa entre gerações; tendo como ponto de partida um exemplo do cinema clássico-narrativo dos anos 1980 e observando como uma outra geração tem se voltado insistentemente para a experimentação com a cor, as grandes escalas, as narrativas hedonistas, a iconofilia e a serialização de imagens, é uma honra contar com a presença de artistas que têm um lugar essencial nas histórias da arte no Brasil: Cristina Canale, J. Cunha, Lia Menna Barreto e Victor Arruda. Fruindo as suas imagens e aprendendo com as histórias destes artistas – sobre suas primeiras experiências nas artes visuais que se deram de forma experimental durante e logo após a ditadura militar no Brasil –, temos a certeza de que, mesmo perante o caos, criar mundos é essencial.
Sonhar também é resistir. -
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Victor Arruda
Um dos grandes artistas da chamada Geração 80 no Brasil, Victor Arruda, em verdade, experimenta com a pintura desde o final dos anos 1970, durante a ditadura militar. Com imagens que remetem à cultura visual das histórias em quadrinhos, suas imagens trazem narrativas muitas vezes pautadas na sexualidade, no humor e no cotidiano de uma cidade caótica e desigual como o Rio de Janeiro. Encontros efêmeros, relações abusivas e diferentes compreensões identitárias do que seria o corpo humano povoam suas pinturas. Os trabalhos mostrados nessa exposição são inéditos e se referem a uma nova série onde o artista reflete sobre sua própria trajetória. Sua maneira de segmentar o espaço e a narrativa é mantida, assim como a forma como suas cores e partes do corpo humano se espelham e repetem nas diferentes áreas das telas.
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Thiago Barbalho
A cor é um dos elementos centrais da pesquisa de Thiago Barbalho. Sobre o papel, o artista cria acúmulos de imagens que trazem cores fortes e muitas vezes destoantes entre si. Pequenas imitações de objetos e situações, olhos coloridos e formas geométricas estão aglomerados e não cedem espaço vazio um ao outro. Essa amálgama de informações visuais tão destoantes, quanto observada de longe, curiosamente resulta em um conjunto harmonioso; sobre a superfície dos seus trabalhos nossos olhos podem repousar por toda uma vida e sempre seremos capazes de descobrir novos detalhes. Além de um desenho de grande escala, nesta exposição também é mostrada uma série de desenhos menores realizados durante uma viagem do artista à Amazônia peruana, em diálogo com o povo Shipibo Konibo.
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Cristina Canale
Desde suas primeiras exposições realizadas na década de 1980, Cristina Canale se debruça sobre a linguagem da pintura. Explorando inicialmente a larga escala, mas no decorrer das décadas seguintes experimentando com os mais diversos tamanhos, as imagens da artista se encontram no limite entre o que poderia ser a abstração e a figuração. Manchas de cor podem preencher tanto padrões encontrados em roupas, quanto elementos de paisagem, mas sempre há um elemento em suas composições que traz a lembrança de algo imitativo. A obra que mostramos nesta exposição, Lacrima Christie, é de 1989. Ela faz parte de uma série de pinturas que a artista fez nesse período e que respondiam – tanto quanto às suas cores, quanto ao seu formato – a certas concepções da pintura de paisagem.
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Virgílio Neto
Experimentando com o desenho desde o início de sua trajetória, as imagens feitas por Virgílio Neto se dão a partir da sobreposição e soma de elementos visuais e textuais. Diversos formatos são articulados – desde trabalhos únicos fragmentados em diversas folhas de papel até desenhos dispostos diretamente sobre o chão. É nos detalhes que sua investigação se apresenta ao público – frases em inglês e português, pequenas citações à história da arte e texturas dos mais variados tipos que apenas certo domínio do lápis e da aquarela torna possíveis. Nosso olhar é convidado a percorrer essas nuvens de imagens, acessar o nosso próprio inventário pessoal de imagens e afetos e, a partir daí, dar continuidade às narrativas sugeridas pelo artista.
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Renato Pera
Imagens do absurdo tem sido um dos interesses recentes na pesquisa de Renato Pera. O artista tem evocado um imaginário pop que cita filmes de terror por meio de mídias como a manipulação digital, o vídeo e a fotografia. Longe do interesse em um olhar documental para o mundo, Pera prefere explorar as artificialidades da imagem. Nessa série extensa de desenhos, ele cria imagens que respondem a um imaginário amplo sobre a ideia de “bactéria” – 80 imagens coloridas são instaladas e, assim como em um laboratório fictício de microbiologia, o público é convidado a ver suas diferentes formas, cores e tamanhos. Em um momento histórico ainda assolado por uma pandemia, as imagens sugerem uma relação nossa com a ciência que se move entre a obsessão, a esperança e o delírio.
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Maya Weishof
As relações entre corpo humano, pintura, cor e excesso são essenciais para a pesquisa de Maya Weishof. Utilizando uma ampla gama de cores, suas imagens trazem corpos – em especial corpos femininos – em torções cujas posições nos colocam em dúvida entre a violência e a sensualidade. Dialogando com as tradições visuais de afrescos clássicos, a artista opta por geralmente trazer ao público uma cena maior e central rodeada por outras pequenas narrativas paralelas. Esse conjunto de informações visuais é embebido pela maneira como a artista usa suas cores, confunde o nosso olhar e, assim como outras artistas dessa exposição, nos convida a um largo período de contemplação.