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angelo venosa
quasi
01 de abril – 8 de maio, 2021
nara roesler rio de janeiro
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Quasi – Angelo Venosa, a encarnação das travessias
Daniela Name
Angelo Venosa costuma contar duas histórias que marcam, respectivamente, sua infância e sua juventude, contribuindo de forma não-esquemática para a sua formação como artista. Na primeira, o irmão mais velho relata a trama de um filme de terror, no qual um serial killer mata as estudantes de um colégio interno, esquarteja seus corpos e tenta fazer com os pedaços uma menina perfeita. Na outra, em sua primeira visita à Itália ancestral, o artista acaba se perdendo no mapa de Roma e termina diante do Pulcino della Minerva (1667), de Bernini. Conhecido também como Obelisco do elefante, o monumento une duas peças distintas: uma ponteira poliédrica marcada com hieróglifos, saqueada pela exploração europeia do Egito, e a figura do animal, que ganhou forma pelas mãos de um assistente do escultor e sustenta a forma geométrica no dorso.
A garota-Frankenstein do filme, o elefantinho carregando um passado estrangeiro nas costas: seres submetidos a uma remontagem alegórica que enfatiza seu não-pertencimento a uma linearidade cronológica e espacial, exatamente como ocorre com as esculturas de Venosa.
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O conjunto de trabalhos reunidos em Quasi ilumina a trajetória percorrida pelo artista. Mais do que construir uma obra “fronteiriça”, palavra que daria conta mais diretamente apenas das questões do espaço, Venosa tem se dedicado a uma escultura no limiar, que conjuga e enfatiza as contradições de um corpo andrajoso, feito de fragmentos, e sempre inoculado por tempos diversos.
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Uma obra em constante exílio: se por um lado pode nos apresentar corpos quase-mortos, que parecem estar sendo calcinados e fossilizados, por outro nos oferece seres quase-vivos, que talvez estejam saindo timidamente de um estado de coma persistente para ganhar ânimo, brotar. Nos dois extremos do movimento do pêndulo, a repetição do “quase” – ou quasi, grafado aqui italianado e da maneira antropófoga de Mario de Andrade (a antropofagia não deixa de ser um exílio, afinal).
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Angelo Venosa prepara sua exposição individual 'Panorama' no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), Brasil (2012)
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As esculturas negras do início da carreira estariam mais próximas do primeiro movimento, o das quase-mortas, assim como Catilina, apresentada em 2019 no Paço Imperial do Rio de Janeiro como uma grande metáfora para a degeneração. Quasi, por sua vez,reúne trabalhos que parecem insistir em estar vivos, e resgatam um fôlego extra para se prolongar a partir de seus núcleos de origem, redondos, abobadados (e, se essas formas de sustentação de eixos lembram a relação de Venosa com a insinuação de figuras orgânicas, sobretudo de animais marítimos, reforçam também um diálogo com a arquitetura). Esses seres quase-figura e quase-abstratos projetam filamentos que serpenteiam pela sala em movimento ascendente, como cordões umbilicais buscando a conexão do corpo da escultura com outros corpos – paredes, pisos, peles, memórias.
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É preciso falar da radicalidade experimental de Quasi, que situa as peças reunidas nesta exposição como um marco no processo criativo de Venosa. Desde o início dos anos 2000, o artista investiga processos de digitalização e projeção virtual. Há três momentos notáveis em que essa investigação técnica contribuiu de maneira decisiva para a criação de uma nova linguagem, acrescentando ainda um bem-vindo grau de risco na execução das esculturas. Em todas as ocasiões, o resultado plástico é atravessado pela disparidade e de indeterminação, ampliando a opacidade e o deslocamento que constituem o DNA exilado das criaturas do artista.
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E, ao chegar à não-simetria, encontro uma trilha de volta para Quasi. A obra de Venosa sempre foi marcada por certo espelhamento. Os dispositivos digitais, no entanto, deram ao artista a oportunidade de esgarçar seus métodos de composição. Designer de formação, Venosa teria condições de tirar partido da virtualidade para gerar um “aperfeiçoamento de performance” em seu desenho, ou seja, para tornar ainda mais rigorosa e formal a simetria sempre insinuada em seu trabalho. Mas ele vem fazendo justamente o oposto: se em 2012 mexeu na “pele” da peça fragmentada e em 2016 moldou a “carne” da escultura do Açude, agora, em Quasi, atua diretamente na estrutura de suas criaturas, girando o eixo onde estão encaixadas as lâminas de madeira que as constituem. É como se, depois de atuar na superfície e nos músculos, o artista estivesse se dedicando ao esqueleto de seus seres, dando a eles novas possibilidades de articulação – nos planos real e simbólico.
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Ainda mais barroca por conjugar a elipse e a síntese, esta mostra na galeria Nara Roesler é feita de espirais: se por um lado o artista parece retornar a um raciocínio do início da carreira, por outro essa “volta” se dá em outro nível, lindamente desencontrado. Mais leves e quase-transparentes, as esculturas de agora, revestidas com a translucidez do ectoplasma, estabelecem uma relação fantasmática com a própria história de Venosa e com o repertório de imagens que sempre o assombrou. Elas se retorcem procurando a memória do que já foi e se esgueiram para alcançar o que ainda pode vir. Retorno como diferença. Futuro como lastro. Quase-passado, quase-adiante: uma exposição que amplia a visão da escultura do artista como uma encarnação de travessias.
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Um dos maiores escultores em atividade no Brasil, Angelo Venosa, filho de pais imigrantes italianos nasceu em São Paulo, em 1954. O próprio artista se tornou migrante, ao adotar o Rio de Janeiro para viver. Nesta cidade, formou-se em Desenho Industrial pela Esdi e frequentou os cursos livres da Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, durante a década de 1980. Entre 1984 e 1990, Venosa, juntamente com Daniel Senise (1955- ), Luiz Pizarro (1958- ) e João Magalhães (1945- ), formou o Ateliê da Lapa, contexto no qual desenvolveu seus primeiros trabalhos, nos quais encontramos uma sensação de exílio, principalmente nas esculturas que tanto podem ser fósseis de um passado distante, como de um futuro indeterminado.
Venosa integra a chamada “Geração 80”, movimento marcado por uma abordagem subjetiva e intimista da produção de imagens. Em seu trabalho da década de 1990, as relações entre forma abstrata e a pesquisa com a matéria tornam-se determinantes. As características dos variados materiais empregados: mármore, cera, metal, vidro, acrílico e dentes de animais, entre outros, aparecem como modos de abordar o orgânico e a tradição escultórica. Os entrelaçamentos entre linhas e volumes sugerem o encontro entre a escultura e o desenho, técnica que também faz parte da prática de Venosa. A estranheza de suas estruturas fundam uma temporalidade ambígua, carregam referências a eras ancestrais e ao futuro distópico. Essa sensação se amplia na tensão entre as formas e materiais orgânicos e inorgânicos apresentados.
Angelo Venosa nasceu em São Paulo, em 1954. Atualmente vive e trabalha no Rio de Janeiro. Algumas de suas mostras individuais recentes são: Catilina, no Paço Imperial (2019), no Rio de Janeiro, Brasil; Penumbra, no Memorial Vale (2018), em Belo Horizonte, Brasil, e no Museu Vale, em Vila Velha, Brasil; Marimbondo, para o projeto O Grande Campo, no Oi Futuro Flamengo (2016), no Rio de Janeiro, Brasil; além da retrospectiva Angelo Venosa: Panorama, com itinerância por Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM) (2014), Recife, Brasil; Palácio das Artes (2014), Belo Horizonte, Brasil; Pinacoteca do Estado de São Paulo (2013), São Paulo, Brasil; e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio) (2012), Rio de Janeiro, Brasil. Exposições coletivas recentes incluem: Ateliê de gravura: Da tradição à experimentação, na Fundação Iberê Camargo (FIC) (2019), em Porto Alegre, Brasil; Oito décadas de abstração informal 1940-2010: Coleções Museu de Arte Moderna de São Paulo e Instituto Casa Roberto Marinho, no Instituto Casa Roberto Marinho (2018), no Rio de Janeiro, Brasil, e no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) (2018), em São Paulo, Brasil; Bestiário, no Centro Cultural São Paulo (CCSP) (2017), em São Paulo, Brasil; e Em polvorosa – Um panorama das coleções do MAM Rio, no Museu de Arte de Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio) (2016), no Rio de Janeiro, Brasil. Seus trabalhos fazem parte de importantes coleções institucionais, como: Colección Patricia Phelps de Cisneros (CPPC), Caracas, Venezuela; Instituto Itaú Cultural, São Paulo, Brasil; Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (MNCARS), Madri, Espanha; Museu de Arte do Rio (MAR), Rio de Janeiro, Brasil; Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, Brasil; entre outros.