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sweet spontaneous earth
núcleo curatorial nara roesler
27 de fevereiro – 29 de maio, 2021
nara roesler são paulo -
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Sweet Spontaneous Earth, que tem seu título inspirado por um poema de E. E. Cummings, apresenta uma seleção de obras que se relacionam com a natureza como uma força mutável, indecifrável e indomável. Como o poeta sugeriu, desde o início de sua existência a humanidade vem tentando lascivamente compreender a natureza, apenas para se deparar com uma resposta firme e sazonal: a primavera. Talvez isso seja a resposta da natureza à nossa inquietação comum e implacável, forçando-nos a sermos engolidos pela primavera, como uma artimanha que serve para aplacar nosso desejo e nos obrigar a desacelerar através de sua grandeza: parar e observar, ouvir, respirar. As obras presentes aqui, por sua vez, coincidem em seu esforço para capturar e contemplar a admiração, o momento em que ficamos boquiabertos com a natureza avassaladora da Terra.
Alguns artistas refletem sobre o hábito humano de registrar a natureza – Alberto Baraya e Cássio Vasconcellos por exemplo, fazem exercícios sobre a trajetória histórica dos encontros com a natureza e como estes podem ter amadurecido na contemporâneidade. Outros, como Amelia Toledo, extraem partes da anatomia da Terra, criando encontros bastante paupáveis com sua beleza; Isaac Julien, por sua vez, considera e rompe com as noções de beleza e preciosidade da natureza estabelecidas pelo homem; enquanto Laura Vinci força abruptamente um encontro entre o espectador e a essência da natureza inflexível, assustadora e até violenta.
Sweet Spontaneous Earth oferece, em última análise, uma reflexão sobre como a humanidade reage ao que Cummings chamou de amor rítmico da terra. Rítmico em sua existência, em sua afeição, em sua força e em sua fragilidade.
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BRÍGIDA BALTAR
Em uma árvore, em uma tarde tem suas imagens extraídas de um curta-metragem de mesmo nome que justapõe o contraste entre espaço urbano e natureza. A imagem capta a artista sentada em uma árvore lendo um livro como se estivesse isolada do intenso movimento das ruas que, por sua vez, parece ignorar ou simplesmente não identificar sua presença. O trânsito de carros, ônibus e caminhões assume o papel de paisagem, tomando o segundo plano, enquanto suas ações entrelaçadas às delicadas flores desabrochadas oferecem uma pausa, uma espécie de fábula em meio a uma cidade caótica.
Seus movimentos transmitem uma placidez que parece resistir à velocidade enervante das ruas abaixo dela, como se pedisse um momento de pausa e reflexão sobre o ambiente e suas origens. A artista põe em primeiro plano um contraste entre duas realidades coexistentes, mas que parecem funcionar de forma independente, ignorando-se e esquecendo-se, obrigando o espectador a contemplar o fato delas estarem inextricavelmente ligadas e serem dependentes uma da outra.
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Brígida Baltar
Feminino, 1994
armário e terra
190 x 90 x 70 cm
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ALBERTO BARAYA
A obra de Alberto Baraya parte do anseio de se registrar as características de um território, assim como documentar a experiência de descoberta da paisagem. A série é derivada principalmente da tradição de viajantes e residentes, de capturar os perfis das cidades, produzindo pinturas panorâmicas.
As obras incorporam técnicas artísticas tradicionais da representação de paisagens como meio de contemplar o espaço, apreender elementos icónicos da cidade e traduzi-los para a tela – tornando-se, portanto, objetos a serem observados, contemplados, recolhidos e talvez também reinterpretados. Seguindo os princípios da tradição artística, Alberto Baraya produziu uma série de trabalhos engajados com tais imagens e iconografia como forma de desenvolver suas próprias investigações sobre os fenômenos sociais. A paisagem, a flora e a fauna, portanto, servem como o meio pelo qual o artista explora questões relativas a migração, exotismo e interpretação.
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Alberto Baraya
El Rio, 2005
video, cor
2' -
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PAULO BRUSCKY
Paulo Bruscky é um dos artistas brasileiros mais prolíficos e inventivos de sua geração e da atualidade. Desde a década de 1970, ele vem realizando uma série de experimentações que vão desde ações em espaços públicos a anúncios em jornais, passando por instalações a vídeos, entre outros.
Sua participação no movimento da Arte Postal foi de importante relevância histórica e recebeu grande reconhecimento por revelar a capacidade de sua prática em cruzar fronteiras e estabelecer diálogos com artistas em diferentes locais, em especial com os do grupo Fluxus. Sua relação com a linguagem está presente não apenas em sua obra conceitual, mas também em seus poemas e poesia visual. Apesar da estética formal não ser a principal preocupação do artista, ele foi capaz de reinventar efetivamente o cotidiano, convertendo-o em linguagem simbólica. O livro e as colagens aqui apresentadas são mais um exemplo de seu versátil e potente olhar poético, que une e transforma fragmentos banais da linguagem cotidiana entrelaçando-se com elementos encontrados e extraídos da natureza.
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CRISTINA CANALE
Queda, de Cristina Canale, inscreve-se na série de pinturas de paisagem que a artista vem realizando desde 1987. Esse conjunto de trabalhos caracteriza-se pelo uso fluido de tinta e solventes em um esforço para capturar o que ela descreveu como a fenomenologia da pintura.
Canale dispõe a tinta sobre a tela, deixando-a escorrer espontaneamente por toda sua superfície. Com isso, ela dá às suas composições fluidez e organicidade que emergia do movimento natural da tinta e, assim, evocam a natureza indefinida, em constante mutação e, talvez, acidental das paisagens. Nas palavras da artista, durante esse tempo seu trabalho “tornou-se progressivamente mais suave até me levar a paisagens mais líquidas: cruzes tornaram-se ilhas, por exemplo, e círculos, ondas do mar. Cheguei a um mundo cheio de água, mares, rios, lagoas, rodeado de montanhas e ilhas, [...] cenários de pinturas renascentistas e do Rio de Janeiro, claro. Assim que cheguei às paisagens, respirei com mais liberdade; Consegui liberar cor e matéria. "
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MARCOS CHAVES
Chaves muitas vezes faz dos elementos banais do quotidiano o tema das suas peças, de forma a realçar o extraordinário que pode habitar no nosso dia-a-dia. Seus trabalhos canalizam observações perspicazes e espirituosas sobre a vida ordinária, capturando a ironia, a excentricidade e o absurdo que muitas vezes residem nos detalhes que podem passar despercebidos.
A árvore que caminha inscreve-se nessa prática do artista – o vídeo captura indivíduos caminhando sob as raízes aéreas de uma grande árvore no Campo de Santana, no Rio de Janeiro. Em seu caráter de observador – muitas vezes descrito como flâneur bem-humorado – Chaves regista os eventuais transeuntes que se deslocam nos ramos da árvore, captando um instante de cumplicidade inconsciente e momentânea entre ambos.
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Marcos Chaves
A árvore que caminha, 2008
vídeo digital
1’17”
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Cristais faz parte de outro conjunto de trabalhos de Marco Chaves, que também constitui parte importante da sua produção recente. Na série, o artista compõe uma imagem da paisagem “de forma a preservar a perspectiva tradicional, mas, ao mesmo tempo, articulando-a em partes isoladas que podem ter vida própria, cada uma sendo em si uma 'janela para o mundo'”, nas palavras da curadora Ligia Canongia.
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CAO GUIMARÃES
Filme em anexo (2015), de Cao Guimarães, foi realizado por ocasião do 34º Panorama de Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), com curadoria de Aracy Amaral e Paulo Miyada.
A mostra voltava-se para a relação entre manifestações artísticas utilitárias e não utilitárias, focando principalmente no contexto das produções ditas primitivas. Guimarães se debruçou sobre uma forma contemporânea do sambaqui, objetos tradicionalmente construídos com conchas de moluscos por antigos habitantes do litoral sul do Brasil. O artista encontrou, sob um viaduto na cidade de Florianópolis, uma área ocupada por trabalhadores cuja atividade consistia em separar moluscos de suas conchas, ação que lhe remeteu a uma forma contemporânea de sambaqui. O filme constitui-se por imagens atuais que estabelecem paralelos com a antiga produção de sambaquis, estabelecendo uma continuidade entre existências passadas e presentes. Nas palavras de Paulo Miyada, “o presente ofereceu-lhe uma imagem extemporânea, um eco de um passado imaginado e uma anunciação do que serão as ruínas de hoje encontradas no futuro”.
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Cao Guimarães
Filme em anexo, 2015
vídeo digital, HD, cor
17’ -
ISAAC JULIEN
Lina Bo Bardi's Footsteps é um trabalho fotográfico que advém da produção do icônico filme de Isaac Julien intitulado Stones Against Diamonds, cuja inspiração provém de uma carta da arquiteta ítalo-brasileira Lina Bo Bardi. Ao longo do filme, Julien faz uso de trechos e dos principais temas da carta em que Bo Bardi elogia a superior beleza das pedras semipreciosas sobre as preciosas, como diamantes.
Stones Against Diamonds foi filmado durante cinco dias na remota região de Vatnajökull, em Austurland, no sudeste da Islândia, dentro de cavernas glaciais nas quais a atriz Vanessa Myrie – uma espécie de guia espiritual – leva o espectador de uma paisagem a outra. Ao longo do filme e através das obras fotográficas, Julien fez referência a elementos que constituem a assinatura da obra de Bo Bardi, incluindo reproduções dos icônicos cavaletes de vidro e concreto elaborados para o MASP, assim como uma escada em espiral escavada no gelo.
Especificamente, Stones Against Diamonds e Lina Bo Bardi's Footsteps se lançam na tarefa de retratar e enfatizar como alguns dos mais belos elementos da natureza podem ser os menos preciosos, no sentido convencional e socialmente construído do termo.
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Isaac Julien
Lina Bo Bardi's Footsteps (Stones Against Diamonds series), 2016
fotografia em papel Endura Ultra
180 x 245,1 x 7,5 cm (cada) -
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KARIN LAMBRECHT
Nas obras mais recentes de Karin Lambrecht percebe-se o estreitamento da relação entre sua pintura e o ambiente natural. Em 2010, a artista viajou para Jerusalém, onde a paisagem, sua vastidão, luz e ricos tons de amarelo, ocre e areia tiveram um impacto enorme em sua imaginação.
A experiência deu origem a uma série intitulada Territórios de areia (2011), caracterizada por amplos campos de cores vivas e complementares. A artista também criou uma conjunto de obras, ou melhor, experimentos, em papel que se relacionam com a grandiosidade da natureza não domesticada presente em tais paisagens indomadas. Vento, montanhas enlaçadas e Nascimento do vento – nem desenhos nem pinturas, mas investigações materiais e pictóricas – justapõem representações de partes do corpo humano com rajadas de vento, entrelaçando-os e pondo em primeiro plano a relação inextricável entre ambos elementos.
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VIK MUNIZ
A série Earthworks, de Vik Muniz, surgiu do interesse do artista na natureza paradoxal das obras site-specific criadas por artistas como Robert Smithson, Michael Heizer e Walter de Maria, nas décadas de 1960 e 1970.
O artista sentia-se particularmente intrigado com o fato de a maioria dessas obras serem efêmeras e conhecidas apenas por meio de fotografias e desenhos, segundo ele: “Nas imagens de Earthworks, uso a terra como uma tela, um suporte, talvez dizendo que não importa como tentamos destilar a materialidade que molda nossa consciência em um ambiente simbólico e lingüístico, o que nos resta é a mesma tela primitiva como o meio comum de fixar e transmitir nosso conhecimento.” Muniz baseou a série Earthworks no jogo de escalas e ilusões – por um lado, ele produziu uma série de trabalhos que consistiam em desenhos feitos com solo, variando entre 120 e 180 metros de comprimento e fotografados de um helicóptero. Por outro lado, ele produziu desenhos de aproximadamente trinta centímetros, e também os fotografou de cima. As imagens foram tiradas com a mesma câmera, impressas seguindo a mesma técnica e no mesmo tamanho, dificultando a diferenciação entre as duas versões. Com isso, o artista produziu imagens que revelam a fragilidade da percepção, a facilidade com que ela pode ser manipulada, obrigando-nos a reavaliar o que é aprendido e ensinado por meio da fotografia.
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Vik Muniz
Earthworks Brooklyn: Brooklyn, NY (Lightning Field, a partir de Walter de Maria), 1999/2013
c-print digital
50,3 x 75,9 cm -
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TOMIE OHTAKE
Sem título, de Tomie Ohtake, é parte de um corpo de trabalho produzido na década de 1990 e frequentemente chamado de Pinturas Cósmicas. As obras caracterizam-se pela evocação formal de nuvens, vapores, nebulosas, massas estelares, galáxias, corpos celestes e a formação do universo, conforme enunciado pelo crítico e curador Frederico Morais.
Ele descreve a pincelada do artista como vibrátil, ou como "mais toque que extensão, [que] anula ou mesmo destrói a precisão da linha curva, resultando em formas que se dissipam, envoltas que estão numa matéria gasosa, nublada, nuviosa. E não por acaso, a artista substitui a opacidade corpórea do óleo pelo acrílico que favorece as transparências e veladuras.” Em última análise, Sem título demonstra uma tentativa de se distanciar da estrutura geométrica de trabalhos anteriores, permitindo composições mais porosas, não domesticadas e dispersas que dialogam com a espontaneidade das ocorrências naturais e cósmicas.
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Tomie Ohtake
Sem título, 1996
tinta óleo sobre tela
200 x 200 cm -
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MARCELO SILVEIRA
A obra de Marcelo Silveira questiona e desafia categorias consagradas no campo da arte, como escultura, arte popular, artesanato e colecionismo. Suas obras frequentemente partem da ideia de materialidade e de como qualquer coisa pode se tornar um meio para a arte. Destacam-se seu uso de madeira, couro, papel, metal, plástico e vidro, entre muitos outros materiais.
A investigação de Silveira também envolve o uso e a finalidade de materiais ou objetos, que ele sugere serem definidos por um repertório comum, socialmente determinado, e podem ser ressignificados pela recriação de formas familiares a partir de materiais inesperados. Em especial, De natureza viva oferece-nos o reaproveitamento de peças de madeira na criação de esculturas biomórficas – a funcionalidade tradicional do meio e seus usos passados, portanto, passa a ser substituída por uma alusão quase figurativa à maleabilidade, suavidade e florescimento do orgânico.
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AMELIA TOLEDO
A série de esculturas de Amelia Toledo intitulada Impulso são parte do envolvimento da artista com rochas, por meio das quais ela investigou as cores, o brilho, a transparência e a forma da carne da Terra. Segundo a artista, “trabalhar com grandes blocos de pedra me envolve e me surpreende. Aprendi que as pedras beneficiam o meio ambiente.
Eu convivo com elas no meu dia a dia e partilho esta experiência através da criação. Da gema ao rochedo, faço apenas o mínimo para destacar as qualidades da pedra e orientar o trabalho de adaptação ao espaço.” As pedras são apenas polidas de modo a revelar sua composição interna, as longas fendas são pressionadas umas contra as outras, criando linhas que revelam suas origens milenares e refratam a luz que brilha sobre elas. Em resumo, Toledo extrai partes do interior da terra e as coloca em ambientes escolhidos, estabelecendo um entrelaçamento entre tempo e espaço em que a artista e sua obra fundam territórios de sinergia que florescem à medida que interagem com os elementos naturais e os espectadores que o cercam.
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CÁSSIO VASCONCELLOS
A série Viagem Pitoresca pelo Brasil inspira-se nas imagens produzidas por expedições europeias no Brasil durante o século 19. Nessas viagens, artistas e cientistas exploravam, registravam e mapeavam a flora e a fauna do país.Nessa série de fotografias, Cássio Vasconcellos dialoga com esse importante acontecimento histórico, reencenando o trabalho desses exploradores ao se aprofundar nas florestas brasileiras, principalmente na Mata Atlântica. À medida que avançava pelas matas do sudeste do país, Vasconcellos fotografava diferentes cenários, sempre alterando a sensibilidade e a exposição de sua câmera. As imagens foram posteriormente editadas digitalmente para transmitir a mesma atmosfera de densidade e mistério capturada nos registros da época. Desse modo, Viagem Pitoresca pelo Brasil estabelece uma relação entre a tecnologia contemporânea e a estética histórica, ao mesmo tempo que nos transmite a natureza intimidante, assustadora e, ao mesmo tempo, fascinante da paisagem brasileira.
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LAURA VINCI
Branco, de Laura Vinci, é um vídeo que apresenta imagens em close de uma cachoeira em diferentes perspectivas e distâncias. A imagem é, na verdade, uma compilação de detalhes de cachoeiras que põem em primeiro plano todo o processo de quebra da água que, sendo puxada para baixo, atinge a superfície com tanta força que ricocheteia, fragmentando-se em milhares de gotas, criando uma névoa que resulta da força desse movimento.
O filme captura vários temas recorrentes na pesquisa da artista, tais como a relação entre corpo, efemeridade e espaço. Vinci vê este último como um organismo complexo que media as interações entre os elementos que o habitam, ao mesmo tempo que permanece suscetível ao constante passar do tempo. Seu trabalho busca investigar como a matéria se move e se altera, mostrando sua natureza transitória e estimulando novas compreensões de nosso entorno. A cachoeira oferece, então, um microcosmo das investigações da artista, com seus estados e posições em constante mudança, uma existência efêmera que parece servir como imagem física para a ideia, usualmente intangível, da passagem do tempo.
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Laura Vinci
Branco, 2005
DV | DVD
3’00’’ -
Laura Vinci
Quem não cuida de si que é terra erra, 2021
vidro borossilicato, pedra granada e latão banhado a ouro
Ø 34 cm